Às vezes as paredes sangram.
Às vezes desunem-se os vãos.
Separam-se antiquíssimas ligações:
Tijolos, taipas, argamassas, empapadas de terra e canas.
Às vezes soçobram.
Às vezes as paredes sangram.
Choram.
Um choro antigo.
Lágrimas.
Condensações de chorados.
Uma e outra e tantas vezes ao longo das histórias que são cada um dos nem soluçados. Choros milenares.
Às vezes fica um frio propício a liquefazer os mornos orvalhos.
Choros de muitos, tantos olhos.
Às vezes sangram as paredes.
Casas velhas sussurram dizeres de sonhos nados-mortos.
Imaginados em escafelos tão brancos que nem neve.
E o sangue escorre em fios vagarosos de espessos.
Um sangue denso. Quase preto.
Vermelho se lhe bate fio de luz que se esgueire em frincha
Janela fechada desde que fugiu.
Fugida ela de ele. Ele de ela.
Fugidos cada um de si.
Fugidos cada um do outro e fechada a janela.
Cerrada a luz que nada ilumina.
Escorrem fios de sangue.
Vagarosos.
Deslizam fios de água.
Claros.
Gotas, umas de seguida a outras, entremeiam-se de soluços.
- Cala-te é o que ouve.
E cora no escuro.
A cor do sangue
Ainda não sabe que escorre nas paredes.
Que apenas nas paredes muito antigas ele escorre.
Disse: amo-te.
Escorre sangue.
Um fiozinho.
Um único fio adengando-se de entre o madeirame do soalho.
Um fio estranho.
Por ser sangue em parede
Por não escorrer de cima abaixo.
Líquido amaranhando como centopeia, ou cobra, ou bichinho de conta.
Sobe.
Desfaz-se pela parede em manchas.
Um multiplicar de letras de sangue.
Letras mudas.
- Cala-te
Depois o silêncio.
E foi que se soltaram lágrimas.
E foi o primeiro sangue.
Às vezes sangram as paredes.
Às vezes pensa: amo-te.
Pensa apenas. Não fala.
Sangra a parede em muitas letras.
Vagarosas, arrumam-se.
Levam horas, dias.
E na parede escrevem:
- Cala-te.
Faz-se um silêncio sempre mais enorme.
6 comentários:
Xiiiiiiii, garota!!!!!... :(
Muitas palavras! É o que te desejo por de dentro das tuas paredes!
Beijos.
Um café mais logo?
"Às vezes pensa: amo-te.
Pensa apenas. Não fala."
A voz da Alma não pode ser abafada...
***MUHA*** lindo texto...
Escritora, muito forte este poema!
Beijos
ouve-se
Por isso calo tanta vez.
O sangue, mesmo espesso, escuro, antigo e repetido, sai com água e sabão; mas a palavra, essa é indelével e imortal.
Não tenho é esta arte para o dizer... Quem sabe o que diria, se a tivesse ?!?
Bj.
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