quinta-feira, janeiro 29, 2009

medos e palavras





Eu por vezes tenho medo de escrever


As palavras, cada juntar de letra, uma só sílaba,
Fazem-se em pontas
Finos terminais de pita ou bico de roseira
Ancinho, arrebanhando folhas

Por vezes, as palavras unem-se
As palavras e os ditongos e as sílabas,
Formam uma lâmina
Cada linha de escrita afiada, um gume

Se me debruço sobre folha,
Elas apontam-se-me
Ensaiam que me degolam se adormeço
Se sonho demais enquanto as escrevo

No ecrã iluminado do PC
Crescem como arsenais de um outro lado
Como inimigo pela calada da noite
Disparam mísseis lá de nem sei donde

Eu tenho muito medo das palavras


Ficam pregadas como vozes
Murmuram, choram,
Riem desalmados risos pelas entrelinhas
E gritam sons estridentes
Sons abafados em águas de poços

E as palavras sangram
Ficam-me as páginas e os ecrãs vermelhos
Vulvas e tripas e corações
Golpes de machados, facas, tiros de pistolas
Simples sangrares de partos,
Donzela desvirginada ou menstruo em dia bem contado
Sangues derramados de interiores
Corpos vestidos a rigor ou corpos nus em noites de amantes

As palavras assustam-me


Vagueiam como fantasmas se me deito com elas em rascunhos
Sentam-se na almofada e são Marílias e Josés e Ritas e Augustos
Gentes de muitos nomes que nunca eu vira antes

Eu por vezes tenho medo e nem me atrevo
Como hoje



5 comentários:

wind disse...

E com palavras te confessas...
Beijos

Anónimo disse...

Pois é!... Às vezes fico calado. Por vezes até quanto mais tenho para dizer menos escrevo, a escrita nunca é gratuita nem neutra,há tanto para criticar, tanto para dizer que fico parado.

Mas gostei deste texto, por isso, escreve mais, eu vou ler-te.

Mena G disse...

Sem medo nunca existiria a coragem, Mulher!
E disso sabes tu, "magana"...
;)

Ruvasa disse...

Viva, Maria de Fátima!

Também me assustam, sim, as palavras. Mais ainda, porque, não sendo um Vieira, não as domino como gostaria. E, não dominadas, podem ter efeitos preversos e jamais desejados pelo utente.

Por outro lado, quem tem medo ou compra cão e não sai à rua, não é?

Ainda que assustado, vou continuar a sair...
_____

O meu actual blog é o Sítio do Ruvasa 2 / O Homem, produto de si próprio

http://ruvasa2a.blogspot.com/

Julgo que não dá para ter seguidores, uma vez que ainda está com o formato anterior do Blogger e não o actualizo, para não perder características. Quando, lá para o final deste ano ou princípio de 2010, o substituir por outro, então dar-lhe-ei as novas cartacterísticas.

Abraço

Ruben

Beatriz disse...

Eu também tenho medo delas. E atração pela sua força. Elas nos tomam por inteiro, Fátima. Mas, vc sabe dizê-las.