sexta-feira, abril 17, 2009

a nossa conversa




Costuma dizer-se das conversas, que se fazem redondas.

A nossa foi uma conversa com ângulos.
Mais para o quadrado do que curva.
Ângulos rectos,
que os ângulos agudos são fechados
e a gente pretendia uma conversa aberta,
solta.
Uma conversa que nos fizesse despejar a alma.
Dizer em cada palavra
a mentira que nos estava enquistada
o dogma que nos desequilibrava
a verdade demasiado amarga para que a enfrentássemos
a meia verdade que nos infernizava.

Uma conversa que não fosse
uma conversa xôxa,
nem uma conversa entediante.
Cansativa, talvez.
Mas produtiva.
E sobretudo sem redondos.
Nada de sorrisos a tapar não ditos
Nada de abanos de cabeça a consentir segredos.

A nossa conversa, estava combinado,
seria uma conversa em linhas rectas.

Consentimos, no entanto,
que tivesse uns quantos ângulos.
Poucos.
Nem estreitos, nem demasiado obtusos.
Que pudessem conter uma conversa inteira
sem delongas, mas sem escondidos.
Sem boas maneiras,
mas também sem falsos sorrisos.
Sem palavrões ou socos na barriga.

Não quisemos que fosse uma conversa de beijinhos
Mas não levamos armas.

Para poiso, escolhemos uma nuvem que passava.
Uma nuvem de chumbo na zona que caía sobre o bairro.
Parou a brisa e ficou a planar sobre a cidade.
Uma nuvem encastelada em brancura de gelo,
a planar sob um céu muito azul claro,
muito azul celeste.

Sentamo-nos um de frente ao outro a menos de um braço
E foi assim que conversamos.





9 comentários:

mac disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
mac disse...

Obrigada, Maria. Acho que percebo porque te lembraste; gostei muito do meu presente!

RJLB disse...

Eles estavam lá sentados todos os dias,
Num mês de Julho ardente, como é costume nesta região,
À sombra de uma parede pela qual já passou com certeza muita água,
Olhando à sua frente, a beleza que é o mundo,
Uns pássaros voltejando como para assegurar o espectáculo da vida,
O tremer das finas folhas agarradas a frágeis ramos,
E se calhar quem atravessava este quadro,

Eles estavam lá sentados todos os dias,
Deste mês de Julho ardente, as rugas à vista como testemunhas do tempo que já tinha passado,
Imóveis, o olhar fixo, agarrado ao infinito das imagens que se enquadravam no seu espaço,
Sem nenhum movimento dos lábios, sem sequer um único movimento das pestanas,
Eles estavam assim, a menos de um braço,

Eles estavam lá sentados todos os dias,
Deste mês de Julho de forte calor, imóveis e sem pestanejar,
Quase colados pelos braços, sentados num banco encostados a uma velha parede,
Eles estavam assim a conversar com o universo, no centro de um quadro de ternura,
Lado a lado, sem nada a mexer, apenas uns olhares envelhecidos a fixar “o todo”,

Eu passei lá todos os dias,
Deste mês de Julho quente, sempre à mesma hora, pelo mesmo caminho,
Eu tinha de fazer parte deste quadro nem fosse como espectador,

Eu supus que eles estavam assim sentados a comentar activamente uma longuíssima vida em conjunto.

Beatriz disse...

Maria, esta conversa é bela. Vc rima de forma tão sutil e faz imagens tão absurdas, inimagnináveis.
Olha, Maria, vc é uma das grandes poetias que conheço.
De verdade! Reconheço em vc um domínio da palavra, vc é concisa qdo é necessário. Já vi vc enxugando versos no Estúdio com maestria. E não é concisa, qdo quer soltar beleza como aqui. Muito, muito bom!

jose jaime disse...

Maria, Obrigado pela gentil visita e parabéns pelo seu belo blog. Tenho certeza que na hora do sequestro o meu anjo da guarda assumiu completamente a situação, pois até hoje não entendemos onde tiramos tanta calma e tranquilidade. Enfim... os cães ladram e a caravana passa.
Abraços
José Jaime

wind disse...

Espectacular!:)
Beijos

mac disse...

Estou tramada.
De hoje em diante, Maria serás para todos, tu que como Maria eras só minha...
:)

marcia szajnbok disse...

linda conversa, esta... conversa de amor...

Mena G disse...

Ora, atão, desconversando:
quase tudo brasileiros na conversa?
:D